domingo, 4 de julho de 2010

Casa nº7



Lembro-me de ser criança e chegar aquela estrada, onde vendiam cães pequenos que ladravam sem parar, talvez à procura dos pais. Num tom rosa muito claro, um telhado numa cor forte, os portões novinhos em folha, de ferro, sem uma ponta de ferrugem. Com umas varandas para eu brincar no verão, uma janela redonda no quartinho dos brinquedos e, o cheirinho bom dos cortinados brancos que percorriam toda a casa. O jardim completava a casa. Aliás, o jardim fazia a casa muito mais bonita do que ela, realmente era. Flores, palmeiras e arbustos à volta da casa, deixavam cair, todos os anos, uma boa quantidade de folhas. Com elas dava para construir uma mansão para os pássaros, dizias tu.
Sentava-me nos degraus da segunda entrada, mesmo por cima da varanda do meu quarto, com o meu vestido branco. No Outono, as folhas cobriam os meus pés e na infância brincávamos todos juntos. Víamos quem atirava mais folhas ou quem apanhava mais. Muito gostava eu de guardar folhas com diferentes cores, naquele livro que estava no quarto cor de céu. No segundo andar, lá estava ele, muito escondido na primeira gaveta da cómoda, onde ninguém metia o bedelho. Só eu e tu. Partilhámos segredos como o sol partilha o dia com a lua. Ninguém sabia das nossas coisas. Tudo o que nos rodeava era brilhantemente, verdadeiro. O cão corria à volta da casa e adorava atirar-se para os montes de folhas, empilhados, para deitar para o lixo. Na sala de estar tu contavas as memórias e os brinquedos. Contavas as brincadeiras e segredos. Contavas os números e as histórias. Era lá que, muitas vezes, ríamos juntos ou chorávamos. Era lá que uma lágrima, passava a um sorriso. Mas tudo isso não passou duma fase. Porque agora crescemos e cada um seguiu o seu caminho. Mas, para além de tudo isto, continuo a gostar de ti e a relembrar todos os momentos que passámos, não só porque foram únicos e porque não vou partilhá-los com mais ninguém, mas também porque não podem ser repetidos e porque tu és tu. Apesar de tudo, ninguém ocupa o teu lugar. Por agora, a casa lá está. Abandonada. Esquece o número sete, passou a número quatro. A ferrugem instalou-se e está fechada a cadeado. Ninguém sabe de nada. Dos nossos segredos. Das nossas brincadeiras. Das folhas e do livro que está guardado na primeira gaveta da cómoda. Da sala dos brinquedos, do quarto cor de céu. Só eu e tu. Nós.


(Texto inventado a partir da fotografia acima, também feita pela Raquel)
Raquel Alexandra 11º / 12º E