quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Menina

O texto seguinte foi inspirado neste vídeo, após a sua visualização parcial.





A rua é cinzenta. Neva, como não nevava há muito, uma neve pequena, mínima, suave e silenciosa. Os prédios, bem como as ruas, assemelham-se a um quadro, parado, imóvel, imutável.
Mas existe vida. Uma pequena criatura vagueia, tão leve como a neve. Não dá nas vistas. Apresenta um tom de cabelo louro, uma pele branca, uns cativantes olhos verdes. Na cabeça, traz um gorro e, no corpo, um colete vermelho, luvas castanhas e calças pretas. É inocente como uma criança que, aliás, se considera. Vê-se que vive imersa na bondade existente apenas naqueles que ainda não descobriram o mundo e a sua finitude. É ingénua e curiosa (como uma criança saudável). Não sabe muito bem quem é. Nunca o soube.
Segue, energicamente, deslocando-se através de pequenos saltos alegres, até à parede negra onde todos gostam de escrever. As palavras sempre a fascinaram, ainda que não saiba bem como usá-las.  Decide juntar ao estranho e exótico mural aquela que melhor conhecesse: Alma, o seu nome. Pelo menos é assim que a chamam. Depois de o fazer, sente realização. Depressa lhe passa, no entanto, a felicidade.
Como é típico de um ser infantil, ainda infinitamente deslumbrado pelo mundo, existem demasiadas coisas para ver. Tantas que não consegue focar-se numa, nem que seja o místico quadro.
Repara numa loja de brinquedos. É misteriosa e apelativa. Adora brinquedos.  A montra está baça, ela limpa-a. Eis então que se revela o prometedor brinquedo em exposição. É igual a si. Não acredita, é natural… Esfrega os olhos, como todos fazem quando não acreditam no que está à sua frente. Volta a abri-los.  Ainda lá está. É ela, uma fotocópia. Começa a crer que é real. Subitamente, a criatura desaparece.
Alma volta a cair no espanto absoluto. Tenta entrar na loja, mas a porta não abre. Vai-se, frustrada.  Mas um som, leve e sonoroso,  fá-la virar. É a porta, abrira-se inexplicavelmente. A criança entra.
Lá dentro, existem muitos de si. Em prateleiras. Têm o mesmo tamanho, a mesma cor de pele, as mesmas feições. Não se mexem, no entanto, são apenas corpos mortos, aparentemente. Alma não acredita, uma vez mais, no que os seus olhos veem.
Volta a vislumbrar a sua cópia que parecesse esperá-la. Segue até ela. Toca-lhe, sente a sua pele. Cheira-a. A cópia guia-a até um sitio com caixas. Muitas caixas transparentes. Algumas estão cheias de bonecos iguais aos que vira, outras estavam vazias, cheias de nada.
A cópia  tira um alfinete de  uma caixa escondida e espeta-o no braço de Alma que, sem saber explicar porquê, não se afasta. Da sua pele não sai sangue, nem uma gota. Revelação.
As meninas olham-se, Alma de olhos muito abertos. Compreende. A cópia ajuda-a a entrar numa caixa vazia e fecha a tampa. Fecha os olhos e caí num sono profundo do qual não espera acordar.
Era, afinal, uma boneca. Esta é a sua história, a história de Alma.   

Sofia Sequeira

sábado, 16 de novembro de 2013

Artes












Os alunos viram estas pinturas, transformadas em postais e escreveram uma frase para cada uma. Foram selecionadas as mais bonitas, aqui escritas no quadro. 
Estas frases darão origem a textos. O importante é que cada um escreva com base em palavras e expressões que nunca lhe teriam ocorrido, pois pertencem ao universo de uma outra pessoa. Essas palavras e expressões irão adquirir uma outra dimensão. Em função do "escrevedor", claro, mas também em função delas mesmas. Da sua polissemia literária.


quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Jacarandá

 
 




Um dia soalheiro à sombra de um jacarandá, observo o outono a chegar, o mês do Outono, as folhas a cair, encarnadas, com caules bem carnudos e espessos.


Nos momentos a seguir, começo a meditar sobre o baile que irá acontecer esta noite e que se calhar até vão retirar estas folhas lindíssimas, transformar esta paisagem, enchendo-a de cadeiras e mesas que a estragam por completo. É uma visão tão bela, tão outonal e tão rica em cores, que enche os olhos a quem contempla esta maravilha. Mas isto tudo, esta paisagem, esta vista, este panorama, tudo isto vai ser destruído por um simples baile, uma grande agitação, tudo em pé, a cantar, a dançar e até alguns a jantar, enquanto quebram cada pétala, cada flor, cada folha, cada planta. Que pena! E depois o violino, aquele instrumento irritante, estridente, que, em cada agudo, faz estremecer, mais uma vez, todas as árvores daquele bosque.

       

domingo, 10 de novembro de 2013

O peixe chamado José


Era uma vez um peixe chamado José. Era um maldito e estúpido peixe. Estava sempre a meter-se em sarilhos: metia-se em guerras e estava sempre a fazer inimigos. O Tó-Zé, o Chico, o Manuel, o Carlos António e o Zequinha já eram alguns dos seus inimigos de longa data, todos eles carapaus. Estavam sempre a tentar afogar o José,  mas não o conseguiam, pois José era um peixe. Então, tentaram pô-lo fora de água, mas como eles eram igualmente peixes, não o conseguiram também.
Certo dia, apareceu Ticha, a piranha mais perigosa de todo o sempre, que os iria ajudar a livrarem-se de José, o otário. Este peixe parvo, como tinha o Q.I. abaixo de zero, não sabia patavina de nada e seria fácil enganá-lo – pensavam eles -  se não fosse a sua arma mortífera, a pistola incendiária inventada pelo Dr. Flaubert Fishstein, um grande génio e um grande amigo do peixe José.  Flaubert era um peixe-espada, que adorava fazer musculação e quando soube do plano, decidiu limpar-lhes o sebo.
E foi assim que os carapaus e as piranhas foram extintos.