A rua é cinzenta. Neva, como não nevava há muito, uma neve pequena,
mínima, suave e silenciosa. Os prédios, bem como as ruas, assemelham-se a um
quadro, parado, imóvel, imutável.
Mas existe vida. Uma pequena criatura vagueia, tão leve como a neve.
Não dá nas vistas. Apresenta um tom de cabelo louro, uma pele branca, uns
cativantes olhos verdes. Na cabeça, traz um gorro e, no corpo, um colete
vermelho, luvas castanhas e calças pretas. É inocente como uma criança que,
aliás, se considera. Vê-se que vive imersa na bondade existente apenas naqueles
que ainda não descobriram o mundo e a sua finitude. É ingénua e curiosa (como
uma criança saudável). Não sabe muito bem quem é. Nunca o soube.
Segue, energicamente, deslocando-se através de pequenos saltos
alegres, até à parede negra onde todos gostam de escrever. As palavras sempre a
fascinaram, ainda que não saiba bem como usá-las. Decide juntar ao estranho e exótico mural aquela que melhor
conhecesse: Alma, o seu nome. Pelo menos é assim que a chamam. Depois de o
fazer, sente realização. Depressa lhe passa, no entanto, a felicidade.
Como é típico de um ser infantil, ainda infinitamente deslumbrado
pelo mundo, existem demasiadas coisas para ver. Tantas que não consegue focar-se
numa, nem que seja o místico quadro.
Repara numa loja de brinquedos. É misteriosa e apelativa. Adora
brinquedos. A montra está baça,
ela limpa-a. Eis então que se revela o prometedor brinquedo em exposição. É
igual a si. Não acredita, é natural… Esfrega os olhos, como todos fazem quando
não acreditam no que está à sua frente. Volta a abri-los. Ainda lá está. É ela, uma fotocópia.
Começa a crer que é real. Subitamente, a criatura desaparece.
Alma volta a cair no espanto absoluto. Tenta entrar na loja, mas a
porta não abre. Vai-se, frustrada.
Mas um som, leve e sonoroso,
fá-la virar. É a porta, abrira-se inexplicavelmente. A criança entra.
Lá dentro, existem muitos de si. Em prateleiras. Têm o mesmo
tamanho, a mesma cor de pele, as mesmas feições. Não se mexem, no entanto, são
apenas corpos mortos, aparentemente. Alma não acredita, uma vez mais, no que os
seus olhos veem.
Volta a vislumbrar a sua cópia que parecesse esperá-la. Segue até
ela. Toca-lhe, sente a sua pele. Cheira-a. A cópia guia-a até um sitio com
caixas. Muitas caixas transparentes. Algumas estão cheias de bonecos iguais aos
que vira, outras estavam vazias, cheias de nada.
A cópia tira um
alfinete de uma caixa escondida e
espeta-o no braço de Alma que, sem saber explicar porquê, não se afasta. Da sua
pele não sai sangue, nem uma gota. Revelação.
As meninas olham-se, Alma de olhos muito abertos. Compreende. A
cópia ajuda-a a entrar numa caixa vazia e fecha a tampa. Fecha os olhos e caí
num sono profundo do qual não espera acordar.
Era, afinal, uma boneca. Esta é a sua história, a história de Alma.
Sofia Sequeira